Não há fórmula única: impactos variam conforme regras, economias e momentos históricos.
Proteger para impulsionar. Essa fórmula é repetida há décadas como justificativa para regimes de propriedade intelectual. Contudo, ao olhar para os dados em escala global, a relação entre proteção e crescimento econômico revela-se bem menos óbvia – e, em muitos casos, até contraditória.
Em leis e políticas públicas, parte-se muitas vezes da ideia de que, ao proteger certas criações, como invenções, músicas ou marcas, estaríamos estimulando o progresso. A lógica por trás dessa visão seria a seguinte: se uma pessoa sabe que terá direitos exclusivos sobre sua criação durante um período, terá maior motivação para investir esforço e recursos em pesquisa e desenvolvimento.
Contudo, o fato de essa lógica soar convincente não significa que ela seja sempre boa para a sociedade.
Efeitos macroeconômicos
É nesse ponto que entram os efeitos macroeconômicos, isto é, impactos amplos e agregados que afetam a economia como um todo, e aparecem em variáveis como o Produto Interno Bruto (PIB), a taxa de desemprego, a taxa de juros e a balança comercial. Esses efeitos podem ser desencadeados por políticas públicas, eventos inesperados (como crises financeiras ou pandemias) ou tendências de longo prazo, como os avanços tecnológicos.
Imagine se livros clássicos da literatura nunca entrassem em domínio público. Escolas públicas e famílias de baixa renda enfrentariam custos mais altos para adquiri-los, e isso limitaria o acesso à educação, reduzindo a formação de capital humano, o que por sua vez afetaria a produtividade e o crescimento econômico de longo prazo, impactando tanto o PIB quanto a taxa de desemprego.
Esse é um exemplo de como a lógica de “proteger para impulsionar” pode funcionar no nível micro, mas gerar efeitos macro negativos. E esta é uma das razões para a existência do domínio público e exceções aos direitos autorais: evitar bloqueios estruturais ao conhecimento.
Vamos discutir como essa questão é analisada por alguns dos estudos mais conhecidos no campo macroeconômico.
Destrinchando as Evidências: o que a economia diz sobre os efeitos da propriedade intelectual?
Em 2022, Awaworyi Churchill, Luong e Ugur publicaram o artigo “Does intellectual property protection deliver economic benefits? A multi-outcome meta-regression analysis of the evidence”. Ou seja, os autores queriam saber se a propriedade intelectual gerava ou não benefícios macroeconômicos reais.
Essa foi uma das revisões científicas mais completas já feitas sobre o tema: foram analisados 91 estudos primários, somando um total de 1.626 estimativas de efeito, divididos em quatro dimensões centrais:
- inovação tecnológica (se a proteção estimula novas invenções e descobertas)
- difusão de tecnologia (se a proteção facilita ou atrapalha a circulação de tecnologias entre países e setores)
- produtividade (medida pelo impacto sobre a eficiência da produção)
- crescimento econômico (se a proteção ajuda países a aumentar sua renda, medida, por exemplo, pelo PIB).
Os pesquisadores tomaram vários cuidados para garantir que os resultados fossem confiáveis, como corrigir o viés de publicação (a tendência de publicar apenas estudos com resultados positivos) e considerar as diferenças entre diversos países e períodos históricos. Além disso, conduziram testes tanto com amostras abrangentes quanto com amostras restritas a artigos publicados em periódicos de alta qualidade científica.
A conclusão: não há evidências fortes de efeitos positivos da proteção intelectual sobre qualquer das dimensões analisadas.
Isso nos remete ao debate sobre remix e cultura livre que emergiu nos anos 2000, quando a Wikipedia e softwares de código aberto questionaram os limites da proteção autoral como motor exclusivo da inovação, e Yochai Benkler (2006), ao analisar a “commons-based peer production“, mostrou que incentivos não proprietários – como reputação, cooperação e compartilhamento de conhecimento – podem sustentar ecossistemas altamente produtivos com significativo impacto econômico e social. Aliás, um dos estudos empíricos mais conhecidos que confirmaram esse fenômeno vem do Brasil, com a análise seminal de Lemos e Oona (2008) sobre o tecnobrega.
Resultados em contextos específicos
Mas não vamos tomar conclusões precipitadas: o fato de não haver um efeito sistemático não significa ausência de impacto em todos os casos.
Outro estudo, de Papageorgiadis e Sharma (2016), mostrou uma relação em formato de “U invertido”: proteção muito baixa ou muito alta tem pouco efeito sobre a inovação, enquanto níveis intermediários estimulam resultados positivos. Em termos práticos, o ideal seria o equilíbrio: se a lei permitir que qualquer um copie qualquer coisa (proteção muito baixa), as empresas não investiriam em novidades; se a lei for extremamente rígida (proteção muito alta), poucas pessoas teriam acesso às inovações.
De forma semelhante, Acemoglu e Akcigit (2012) argumentam que esse equilíbrio depende da distância tecnológica entre líderes e seguidores de um setor: se houver muitas regras protegendo quem está na frente (como regras muito rígidas), quem está atrás nunca alcança. Além disso, leis de propriedade intelectual podem ajudar tecnologias a se espalharem entre países, embora esse benefício seja, na prática, pequeno, como mostraram Churchill, Luong e Ugur.
Conclusão: cautela e equilíbrio
A principal lição desses estudos é a necessidade de cautela e de rejeitar visões extremas.
Avaliados de forma sistemática, os efeitos da proteção à propriedade intelectual não se confirmam como motor de crescimento econômico de longo prazo. E embora esse olhar macroeconômico seja central para compreender os efeitos agregados da proteção intelectual, ele não pretende desconsiderar os direitos individuais: há fundamentos principiológicos e morais legítimos, como o próprio reconhecimento da autoria, que podem justificar a proteção. A análise econômica oferece uma lente complementar, que revela como escolhas regulatórias repercutem na sociedade como um todo.
Ou seja, o detalhe importa: o resultado da proteção depende de como as regras são desenhadas, do contexto econômico em que são aplicadas e do momento histórico de cada país. Não há um modelo único capaz de servir a todos, e o nível ótimo de proteção varia entre nações e se transforma ao longo do tempo. É por isso também que a propriedade intelectual precisa ser periodicamente repensada – especialmente em face de transformações de impacto macroeconômico relevante, como a Inteligência Artificial.
Referências
- Daron Acemoglu, Ufuk Akcigit, Intellectual Property Rights Policy, Competition and Innovation, Journal of the European Economic Association, Volume 10, Issue 1, 1 February 2012, Pages 1–42, https://doi.org/10.1111/j.1542-4774.2011.01053.x
- BENKLER, Yochai. The Wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom. New Haven: Yale University Press, 2006.
- Awaworyi Churchill, S., Luong, H. M., & Ugur, M. (2022). Does intellectual property protection deliver economic benefits? A multi‐outcome meta‐regression analysis of the evidence. Journal of Economic Surveys, 36(5), 1477-1509.
- Lemos, R., Casto, O. Tecnobrega: o Pará reinventando o negócio da música. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008.
- Papageorgiadis, Nikolaos, and Abhijit Sharma. “Intellectual property rights and innovation: A panel analysis.” Economics Letters 141 (2016): 70-72.