1. O paradoxo do conhecimento científico
A ciência nasceu para entender o mundo e servir à sociedade. Paradoxalmente, seus resultados muitas vezes ficam inacessíveis.
Segundo a UNESCO (2021), a ciência é o esforço coletivo da humanidade para compreender o mundo natural e social por meio da observação, experimentação e validação dos resultados. Ela organiza e conecta diferentes áreas do saber, promovendo uma compreensão mais profunda da natureza e da sociedade — e oferecendo instrumentos para o benefício coletivo.
Entretanto, boa parte desse conhecimento permanece trancada atrás de paywalls. O modelo predominante de revistas científicas ainda é fechado: o acesso aos artigos depende de pagamento ou assinatura. Uma estimativa de 2020 mostra que apenas 30% dos artigos científicos publicados em revistas online estão disponíveis em acesso aberto — o que significa que a maior parte da produção científica global continua inacessível para quem não pode pagar.
Em sua Recomendação sobre Ciência Aberta (2021), a UNESCO reitera que o acesso livre ao conhecimento é essencial para reduzir desigualdades e acelerar a inovação. Ainda assim, o sistema atual continua a concentrar o poder editorial e econômico, perpetuando exclusões e limitando o alcance social da ciência.
2. O peso dos paywalls e dos custos de publicação
O modelo fechado de publicação científica cria um ciclo de dependência. Cientistas, frequentemente financiados com recursos públicos ou de fundações, produzem, revisam e editam gratuitamente artigos que depois são vendidos às próprias universidades. O Deutsche Bank (2005) descreveu esse sistema como o “triplo pagamento”: o Estado financia a pesquisa, paga os revisores e, no fim, compra o produto final das editoras.
Essas barreiras têm impacto direto na difusão do conhecimento. Pesquisadores da Universidade A&M do Texas e da Universidade do Arizona (2024) mostraram que cada aumento de 1% no preço de assinatura de uma revista reduz em até 1,46% o número de citações de seus artigos — ou seja, se os textos não são lidos, não são citados.
Além disso, a lógica do “publique ou pereça” (publish or perish, em inglês) transforma revistas de alto impacto em moeda acadêmica, determinando quem progride na carreira. Segundo o El País (2023), pesquisadores pagaram mais de US$ 1 bilhão em quatro anos a grandes editoras apenas para garantir acesso aberto às suas pesquisas, um retrato da pressão econômica que permeia o sistema.
3. Caminhos para a democratização do saber
Diante desse cenário, surgiram movimentos e políticas voltados à democratização da ciência. Todos partem de um princípio comum: o conhecimento científico é um bem público e deve estar acessível a todos.
Um marco fundamental foi a Budapest Open Access Initiative (2002), organizada pela Open Society Institute. Ela defendeu a remoção de barreiras financeiras, legais e técnicas que impedem o livre acesso à literatura científica. O documento definiu como acesso aberto:
Por “acesso aberto” a essa literatura, entendemos sua disponibilidade gratuita na internet pública, permitindo que qualquer usuário leia, baixe, copie, distribua, imprima, pesquise ou crie links para os textos completos desses artigos, os rastreie para indexação, os utilize como dados em softwares ou os empregue para qualquer outro fim legal, sem barreiras financeiras, legais ou técnicas, além daquelas inseparáveis do próprio acesso à internet.
A única restrição à reprodução e distribuição — e o único papel do direito autoral nesse contexto — deve ser garantir aos autores o controle sobre a integridade de suas obras e o direito de serem devidamente reconhecidos e citados.
Mais recentemente, o Plan S (2018), criado pela cOAlition S, que reúne financiadores como a Comissão Europeia, a Organização Mundial de Saúde e a Fundação Gates, determinou que toda pesquisa financiada com recursos dessas instituições deve ser publicada em acesso aberto imediato.
Apesar do impacto já observado em ampliar o acervo de artigos científicos sem taxas para leitura, consequência do Plan S, boa parte do crescimento do acesso aberto ocorreu em periódicos híbridos, em que autores precisam pagar taxas extras para disponibilizar seus artigos em acesso aberto, e parte dos artigos ainda é fechado e acessível mediante pagamento de assinatura ou taxas. A cobrança de taxas para publicação, que podem ultrapassar US$ 10 mil por artigo, podem criar uma barreira insuperável para pesquisadores do Sul Global.
4. Conclusão: o acesso aberto como essência da ciência
A história da ciência é, em grande medida, a história da partilha do conhecimento. Da observação empírica à validação por pares, o que torna a ciência uma prática coletiva é justamente sua abertura à crítica, à verificação e à reconstrução.
É evidente que alguém precisa pagar a conta – remunerar revisores acadêmicos, manter portais de periódicos e garantir a divulgação junto a comunidade científica custam dinheiro. Contudo, repositórios abertos como arXIv, SSRN e OLH, iniciativas de reestruturação de critérios de carreira em universidades como a More than Our Rank e o sistema de avaliações abertas da coalizão ARQUS mostram caminhos sustentáveis que reforçam o quanto o acesso aberto não é um complemento ou um luxo, mas uma condição estrutural para que o sistema científico funcione, e que a universalidade possa, de fato, voltar a ser inseparável da definição de ciência.